…branco…
…preto...
…como será despertar de um sonho? Disso eu lembro-me.
Mas…
…branco…
…preto…
…cinzento…
…como será despertar do real?
Talvez… talvez seja como acordar com ressaca.
A típica dor de cabeça, a boca seca a saber a sarro,
a aguçada alfinetada da sensibilidade à luz.
Mas isso… Bem, isso é um acordar para a realidade
depois de um sonho mal construído.
Agora, um acordar da realidade é algo… Pelo menos o
acordar da minha realidade. É assim… como a ressaca, mas a dor… essa não é na
cabeça, a secura a saber a sarro não se limita à boca. A luz, não se espeta
como agulhas pelos olhos, perfura-me o ser num local fora de mim. E, o som… o
som é… É como o chiar de centenas de melros, penetrando lentamente, no nosso
torpor sossegado.
E foi assim. Foi assim que me vi. Foi assim que me
senti, lentamente, a despertar para dentro de mim.
A primeira coisa foi o piar imperceptível dos melros.
O resto, veio por acréscimo.
Senti-me pesado, bêbado, charrado, numa bad trip.
Mas… não era eu.
Aliás, não era só eu. Todo o espaço confluía de mim para
mim, num pesado, vertiginoso, sufocante movimento. O frio do chão começou-me a
incomodar. O cheiro… Cheiro arranhado de caca de pássaro.
Abri os olhos. Levantei-me tropegamente.
Pensei… Vi… Imaginei…
Cinzento…
Cercava-me um género de pombal. Caca de pássaro
estendia-se por todo o lado. Manchava tudo de branco e de preto, resultando
numa mescla sépia, peganhenta, fedorenta.
Os vidros erguiam-se, desde a base até ao telhado,
manchados num tumulto de cagadelas que me impediam de ver lá para fora.
O tecto, de
acrílico, misturava-se na cor suja do céu, aprofundava-o. Um céu preto, branco,
cinzento, sulcado e desenhado por centenas de melros, pousados, pendurados nas
traves horizontais do pombal. Chiavam ininterruptamente, martelando irritantemente,
penetrantemente. Cada vez mais alto num agudo crescente.
Franzi a testa. Levei as mãos às têmporas.
Lentamente percebi a irrealidade estranha que me
cercava.
Sustive a respiração.
Olhos, milhares de olhos. Pontos negros, fixos, cegos.
Miravam-me. Escrutinavam-me.
Apesar de todos estes olhos piarem num estrondoso
grito, nenhum bico se movia, nenhum pássaro reagia. E eu… Agonia.
Foda-se!...
Pensei...