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Objectivos

Todos nós temos um objectivo na vida. Um objectivo comum, universal. Qual? Exactamente! A felicidade. Básico, sim. Simples, não. Depois deste grande objectivo vêem os objectivos individuais e concretos de cada um. Estes variam dependendo da história de cada um, dos gostos de cada um, da vocação de cada um. Deles nos servimos para atingir o objectivo primordial e são precisamente eles, que tornam a felicidade simplesmente complicada. É que, ao olharmos para a vida, deparamo-nos com tantos caminhos, com tantas formas para atingir a felicidade, que acabamos por nos perder na encruzilhada.

Mas, deixemo-nos de focar naquilo que eu acho. Não é minha intenção falar de mim, nem tão pouco vos mostrar o que penso do mundo. Minha intenção é contar-vos a estória de Inês. Por isso, passemos a focar-nos nela.

Tudo o que vos falei anteriormente serve como base de comparação a esta rapariga. Ela, como tantos outros adolescentes de vinte e quatro anos, tem, digamos, uma falha na motivação, que deriva do facto de já ser feliz. Aliás, ela nunca pensa muito nisso, é-o e pronto. O que realmente ela nunca foi é infeliz. Vem de uma família de classe média. Os pais sempre lhe deram tudo, nunca lhe faltou segurança. A sua memória permitiu-lhe boas notas. Facilmente entrou num curso qualquer e facilmente acabou-o. Inês sempre viveu naquele mundinho, em que, nunca se teve que esforçar por ter o que tinha. Por isso, agora, tanto lhe faz. Objectivos? Projectos? Para quê?

A sala é normal, vulgar. Duas estantes repletas de livros estendem-se nas paredes laterais. A secretária é cinzenta, de costas para a janela que preenche a parede. Um vulgar portátil pousa nela. De resto, está vazia, apenas com as folhas do homem de meia-idade e cabelos brancos que se senta atrás dela. Sentada à frente da mesa, Inês responde às perguntas com naturalidade. Sempre calma, com um sorriso sociável e confiante. O seu coração bate tranquilamente, e nem os sovacos nem as mãos expelem suores frios.

O entrevistador não se interessa por ela devido à sua beleza, embora seja bonita, nem pela sua inteligência, simpatia, ou pelas suas respostas correctíssimas. Interessa-se por algo mais subtil, algo que tenho vindo a falar nesta estória. Interessa-se por aquilo que ela não tem.

Como é que ele sabe? Não sei. Talvez as perguntas estivessem inclinadas com esse propósito. Mas elas foram técnicas de mais. Penso que logo de inicio ele já sabia. Porque ele, com o seu olhar perspicaz vê. Vê para além das aparências. As perguntas eram apenas a introdução para a pergunta fundamental. Uma pergunta que foge a todas as outras.

- Menina Inês, como gostaria de morrer? Diz ele pausadamente.

Apesar de achar a pergunta estranha, ele não vê nenhum olhar malicioso no homem e responde:

- Nunca pensei nisso, mas acho que de facto, não gostaria.

- Sabe. Quem não morre, não vive.

Desta vez, já um pouco desconfiada e apreensiva.

- Mas o que tem isso a ver com o emprego?

- Com o emprego nada, mas consigo tudo.

A cabeça dói-lhe. Quando abre os olhos, a luz do dia introduz-lhe alfinetadas no cérebro. O chão é duro, e cheira ao dióxido de carbono dos carros. Inês encontrasse deitada no passeio e ao olhar para cima vê o homem de meia-idade e cabelos brancos. Ele ajuda-a a levantar-se. Ela, assustada e desnorteada pergunta.

- Quem é você? Que se passa aqui?

- Menina Inês. Quem eu sou não interessa. Basta-lhe saber que ajudo pessoas que precisam, é a minha condição. Você precisa. Tem vinte e quatro horas, para descobrir uma resposta a uma pergunta deveras importante para si. Se não a descobrir, sinto muito, mas morrerá. O que é viver verdadeiramente?

- Mal terminou a pergunta, o homem fica transparente e num segundo desapareceu. Nesse segundo Inês passou a ter o objectivo mais básico de todos, sobreviver. As vinte e quatro horas seguintes, bem, imaginemo-las.

Impressões

Lisboa. Entro no metro, entalo-me nas latas de sardinha. Subo escadas, desço escadas. Percorro os passeios. Confundo-me entre um emaranhado de sons vocais, pedestres e automobilísticos. Enquanto vagueio vou olhando para as personas que me rodeiam.

Reparo que as expressões faciais que vou observando são peculiarmente parecidas. A maiorias das pessoas com quem me cruzo tem, por assim dizer, uma não expressão. Uma expressão que prima pelo não reflexo de uma emoção. Por isso, toda a gente com quem me cruzo parece ameaçadora e intimidativa, zangada e má.

Eu retraio-me, ao olhar para estas caras. E na fragilidade do meu Ser vou adoptando, aos poucos, a mesma não expressão, para me defender da expressão dos outros.

Há coisas que nunca mudam

Há coisas que nunca mudam. Não, não estou a falar dos acontecimentos banais do nosso dia-a-dia, estou a falar de algo mais pessoal, a personalidade. E porquê este dilema? Ora, porque há traços nela que nos fazem agir constantemente da mesma forma errónea perante certos e determinados estímulos. Traição, vicio, ansiedade, impulsividade, raiva, violência, entre outros. Falo disto com um pouco de amargura, porque sinto que nunca deixarei de ser tudo o quede negativo eu sou.

À pouco tempo vi um documentário na televisão sobre um método terapêutico de eliminação de fobias. Tratava-se do caso de uma rapariga que fora violada e que por isso desenvolvera a fobia de sair à rua. Na clínica de psiquiatria decidiram implementar na doente um tratamento experimental. Esse consistia na escrita pormenorizada do acontecimento traumático e na constante audição do relato do acontecimento. Em cada sessão seria medido o grau de ansiedade da doente e antes de cada sessão seria administrado um fármaco. Segundo o médico psiquiatra este fármaco eliminaria as conexões neurais que estabeleciam a ligação entre a ansiedade e a história da violação. Isto só aconteceria se a doente após tomar o medicamento ouvisse e repetisse a história.

Do ponto de vista do médico era o fármaco que fazia efeito, do meu ponto de vista a constante repetição e exposição à história e o efeito “placebo” é que contribuíram para a diminuição da ansiedade. Logo, as conexões que supostamente o fármaco eliminaria ainda continuam lá.

Outra forma de transformação da personalidade, para além dos tratamentos com psicólogos, é a meditação e a oração. Esta baseia-se na repetição constante de uma característica da personalidade positiva. Por exemplo, “sou amável”, ou “sou corajoso”, ou “ sou activo”. De modo a eliminar uma característica negativa a frase meditativa deve ser sempre positiva, nunca do género “não sou arrogante”, “não sou impulsivo”. E qual a explicação neurológica para que este método elimine os traços negativos da nossa personalidade? Precisamente através da desconexão das conexões neuronais.

Hum… Dá que pensar! E eu, claro, fiquei a pensar. Reparem, desde que nascemos essas conexões são formadas e à medida que crescemos mais conexões vão sendo criadas. Essas novas apoiar-se-ão nas anteriores e assim sucessivamente, reforçando-as constantemente. Será assim tão simples eliminar conexões neurológicas que formam a nossa personalidade desde a mais tenra idade? Elas formam a base e os pilares daquilo que somos. Conseguiremos nós deixar de ser quem somos?

A esta pergunta respondo afirmativamente, mas não penso que seja possível através da desconexão neurológica. Isto devido ao que afirmei no parágrafo anterior e também porque sinta que há coisas em mim que nunca hão-de mudar. Sinto que a memória da minha história tem uma influência tão marcante na minha forma de ser, que só com um blackout total no sistema e perdendo a memória de tudo é que deixaria de ser quem sou.

Por isso, há coisas que nunca hão-de mudar. À conexões que não se conseguem desfazer, memórias que não podemos alterar. A única coisa a fazer é acrescentar. O cérebro não desaprende, reaprende. Novas conexões por cima de velhas conexões. São feitos novos caminhos, e é através disso que mudança surge. Os caminhos velhos já não são percorridos, mas sim os novos.

Posto isto, desperta-se em mim outra pergunta. Então, como consegue o cérebro guardar tanta informação? Dou um passo atrás, e volto à mesma lengalenga. Talvez os caminhos antigos, por deixarem de ser pisados, desapareçam com o tempo.

Mesmo assim, acredito que nunca deixaremos de ser quem somos, os caminhos sombrios estarão sempre lá para serem pisados junto com as ruelas claras, a única coisa que muda é a direcção neural que tomaremos.

Sempre a mesma dúvida. Liberdade?

Sempre a mesma dúvida, serei livre ou não? Serei eu dono das minhas escolhas? É a liberdade real ou não?

Há tantas teorias que nem sei por onde começar, desisto antes de tentar. Esta dúvida começou quando na igreja nos apresentavam o Deus omnipresente, omnisciente, que ouve as nossas preces e nos ajuda em tudo na vida. Ele rodeia-nos e envolve-nos, estando sempre presente em todo o nosso caminho. Ele é o início e o fim, Ele conhece o início e o fim. Sendo assim, o destino está traçado ou não? Se está, é obvio que não somos livres. E se não está traçado?

Neste caso, se Deus é um ser interveniente nas nossas vidas é lógico que também não somos livres. Daqui surge a pergunta se Deus é interveniente porquê tanto sofrimento? E a esta questão respondemos com a liberdade. O Ser que nos criou tornou-nos livres, o sofrimento surge da forma errónea de como usufruímos dessa liberdade. Deus não pode intervir, pois assim a liberdade passaria a ser parcial, ou seja, não liberdade, e não total como Ele implementou.

Sei que estes argumentos são um bocado rascas, pois podem ser perfeitamente rebatidos com a analogia de “Deus-Pai”. Isto quer dizer que como filhos temos uma liberdade limitada, e Ele como Pai intervém quando necessário. Mesmo assim, penso que a sua intervenção como pai é um pouco negligente (como qualquer filho que se preze penso assim). Por outro lado, liberdade limitada é sinónimo de nenhuma liberdade, pois eu aqui refiro-me à liberdade num sentido universal e total.

À parte disto, voltando ao assunto da intervenção ou não intervenção divina associada à liberdade, mesmo que Deus não intervenha a nossa liberdade continua a ser uma ilusão, pelo facto dele conhecer o início e o fim (o alfa e o ómega). Talvez a liberdade só seja real se a Sua omnisciência e omnipresença não existirem, junto com a sua não intervenção, ou levando ao extremo, se Ele não existir.

E, chegando a este patamar, outra questão surge. Seremos mesmo livres só pelo simples facto de Deus não existir? Esta é a minha pertinente pergunta, pois mesmo negando a existência de Deus não faz com que eu me sinta livre. Sinto que todas as minhas acções, desejos, pensamentos, são influenciados pelo meio; pelas necessidades básicas; pela cultura; por aquilo que sou e por aquilo que quero ser. Refutar isto afirmando que posso negar as necessidades e evitar a influência do ambiente, é criar mais uma ilusão de que sou livre. Isto porque, a negação é influência do que quero negar.

O que é a liberdade? Onde está a liberdade? Apesar de tudo, não gosto (como defesa do self, obviamente) de afirmar que a liberdade é uma ilusão. Também não afirmo que seja uma utopia. Digamos que é mais um ideal. Sendo assim é atingível. E penso, apesar de todo o emaranhado de influências que me empurram e puxam, eu posso aos poucos escolher quem me puxa e quem me empurra. Com uma liberdade limitada apenas à escolha, eu construo-me aos poucos em direcção à Liberdade.

Sim, gosto de pensar assim.

Work

Todos querem ser lideres mas ninguém sabe liderar.
Todos querem ser inteligentes mas ninguém sabe ser sábio.
Para ser líder basta ser inteligente, para liderar basta ser-se sábio.