Hoje, o Senhor ao qual alugo um
dos quartos da minha casa cagou-se à minha frente.
Não, não estou a falar de peidos.
Borrou-se irremediavelmente todo. E eu, que até gosto de fazer piadas fecais,
não achei piada nenhuma à situação. Primeiro, porque o homem está de cadeira de
rodas, logo, a sua capacidade para chegar ao chão para apanhar a merda é nula. Já
se vê que vai sobrar para mim. Segundo, porque aquela merda cheirava MESMO
a merda.
Então pronto, depois do Senhor se
ter desculpado, ter praguejado contra o leite de cereais com chocolate e ter
ido para a casa de banho se lavar, eu respirei fundo (uma quantidade de vezes),
cortei cartão e fui recolher a borradela.
Tal como vocês estão a imaginar e
a sentir, foi angustiantemente nauseabundo, preenchido de ouras estomacais.
Mas, como já passei por situações semelhantes, aguentei os escrúpulos e lá fui expurgando
os meus pecados, recolhendo merda com cartão. Deitei tudo para o saco do lixo e
passei a esfregona com lixívia no fim.
Hércules teve que fazer as doze
tarefas, mas ele era um gajo com uma força bruta, filho de Zeus. Há outros (eu),
filhos de homens e sem estômago de Hércules, que têm a tarefa de apanhar merda
mal cheirosa.
Hoje fui eu a limpar a merda de
um, amanha serão outros a limpar a minha!
Assim que terminei, peguei no meu
casaco, na minha mochila, no saco do lixo que continha a merda, e parti para as
minhas tarefas menos fecais do dia.
A verdade é que apesar de não
gostar da tarefa que me foi incutida pelo oráculo dos intestinos do homem, esta
deu-me que pensar. Deu-me para pensar que às vezes é preciso limpar uma boa
borradela para acordar momentaneamente para a vida.
Neste dia-a-dia, em que o dia flui
insonso, em que as dores que nos assolam são feitas apenas de ilusões, faz-nos bem
apanhar um estalo do cheiro palpável da realidade.
(Talvez o que faça falta aos políticos
portugueses é ter que apanhar alguma borradela de vez em quando).