palpita, palpita, palpita, palpita, pita
vamos parar por aqui
Escrita Desconexa (2)
respira fundo
faz hum!
onde esta a
caneta que escreve arrepia o papel
foge para
tras foge para frente
avança turbilhando
turvo turduvilho pelo branco em turbulinho.
ah! ah! o
quê?
não era o
que queria escrever
não era
fazer sentido
ups!
fiz mal.
azar o teu
carago!
estou farto
atrofiado
parvo
carpo
parco
Escrita Desconexa (1)
um dois três
vão os três
reis magos andando pelo deserto erto ermo segredo
apavoriaadadadaserio
iato
peta
meta
teta
seta
olho o
comboio a passar lá vai gente a dar a dar
pum catrapum
surgem em zum badabum sem sentido
entremim tudo
junto está o fundo
poço mundo
palavras
desconexas
avança o
pensamento para outros planos
As Folhas Secas
conto africano do O LIVRO DOS AMORES, de Henri Gougaud
Deus criou o mundo, árvores,
prados e moitas, animais de pelo áspero, pássaros, bichos rastejantes. Depois moldou
um homem e uma mulher, construiu para eles uma cabana num campo junto de um
bosque, e para ela uma palhota à beira de um rio. Eram ambos cegos. Os olhos
deles eram semelhantes aos dos recém-nascidos, a porta das pálpebras estava
ainda fechada. Viveram assim durante uns tempos, sem que nada os empurrasse um
para o outro, e Deus, durante todo esse tempo pôde dormir descansado.
Mas um dia, ao tirarem água cada
um em frente da sua casa, veio-lhes no mesmo instante a mesma sensação
irracional e segura: no fim da vereda que atravessava a direito as ervas estava
uma presença infinitamente preciosa para a vida deles, para os seus sonhos. Deus
ao ver nascer neles o desejo, pensou na sua luz altíssima que um iria em breve ter
com o outro. Queria saber quem, o homem ou a mulher, daria o primeiro passo. E fez
cair sobre o caminho uma chuva de folhas secas. “Quando eu as ouvir estalar,
disse para consigo, hei-de acordar. E hei-de ver quem caminha sobre elas, e portanto
qual dos meus filhos é mais vulnerável é febre amorosa.” Tendo assim pensado,
foi-se deitar no seu leito de nuvens.
A mulher, naquela noite saiu de
casa, e procurando aqui e ali qualquer coisa para comer pôs por acaso a mão em
cima de um sapo barrigudo. O animal cuspiu-lhe o veneno à cara e coaxando
perdidamente desatou aos saltos pelas ervas da margem. A mulher, despeitada,
limpou o rosto. A unha do dedo mindinho arranhou-lhe os olhos. As pálpebras abriram-se.
Ela viu, e maravilhou-se. Acima dela estava o céu, à sua volta a terra, um rio
cintilante, árvores, silvados, mil cores oscilantes, um velho sol poente no
horizonte para oeste, uma casa, acolá, e em frente dos seus pés descalços um
atalho que levava aquele lugar apetitoso. Viu também as folhas secas. Farejou a
armadilha divina. “Se eu for onde quer o fogo que me espicaça, o Velho Pai
sabê-lo-á, disse para consigo a espertalhona. Ora eu prefiro que ele o ignore.”
Sentou-se, pensou na maneira de enganar os ouvidos divinos, depois sorriu,
maliciosa, correu a encher o balde no ribeiro próximo, regou a folhagem seca e
amoleceu-a o suficiente para que não estalasse. Feito isto, prudente e lesta,
dirigiu-se em bicos dos pés para a casa daquele que ela tanto queria conhecer.
Deus mexeu-se no sonho, resmungou e mergulhou em sonhos.
A mulher achou o homem admiravelmente bem feito. Abriu-lhe os olhos
com duas unhadas rápidas. Ela achou a companheira exactamente igual à que
povoava os seus sonhos de cego. Comoveram-se, tocaram-se, tremeram tanto que se
deitaram, encontraram às apalpadelas os caminhos desejados, gozaram,
perguntaram um ao outro como tinham podido sobreviver sem os seus olhares, sem
os seus rostos. Abraçaram-se mais uma vez. Por fim, a mulher disse num suspiro
encantado:
- Vê, o sol levanta-se. Deus não tarda a cair da cama, e eu não
gostaria que ele nos surpreendesse aqui, juntos, um em cima do outro. Homem,
tenho de me ir embora. Amanhã à noite irás ter comigo.
O homem viu a manhã pela primeira vez, viu-a diminuir, viu o sol a
pique secar as folhas mortas e de novo as sombras alongarem-se até anoitecer.
Finalmente, viu a lua a o seu rebanho de estrelas sair dos estábulos celestes. Calçou
então as sandálias e cantarolando suavemente foi ter com o seu amor.
Os pés esmagaram pesadamente a folhagem. Esta estalou e estralejou. Ele
não se preocupou, o seu novo prazer enchia-lhe totalmente o espírito. Ouviu então
um vozeirão por cima da sua cabeça:
- Onde vais, meu filho?
O outro curvou-se, pôs as mãos na cabeça.
- És tu, continuou a voz, quem sucumbe primeiro à febre de amor. Até ao
fim dos tempos, pois que assim seja. Irás ter com a mulher e a mulher esperará
que tu lhe peças para amar.
- Mas, Senhor, arriscou o homem.
Não disse nem mais uma palavra. Estava apaixonado e temia pela amada o
juízo divino. Só ele, desde essa hora em que Deus o interpelou, sabe que é a
mulher quem sempre quer primeiro. É o desejo dela que tudo incendeia. “Olha para
mim”, diz ela, e o homem vai ter com ela, e o Velho Pai, lá em cima, sorri em
sonhos.
O Rasgão
conto africano do O LIVRO DOS AMORES, de Henri Gougaud
Quem fez o mundo como ele é? Deus
Pai, toda a gente sabe isso. Mas como fez ele o homem e a mulher, e por que é
que homem e mulher se amam, e se beijam, e se casam? A alma sabe-o no fundo dos
seres, mas é tímida, cala-se. Ouçam então a verdade.
O primeiro ser vivo que Deus fez
tinha um corpo e duas caras. Era forte, sensato, e sabia com o coração e os
sentidos usufruir do céu e da terra, sabia que a verdadeira luz se contempla
com os olhos fechados, sabia o que os mortos sabem, e o que sabem também a criança
antes do ventre da mãe. Ele sabia tudo do alto, do baixo. E desejava apenas
viver a vida que lhe era dada.
Ora Deus gostava das alegrias do
mundo. Num dia de verão, descobriu um vinho de palma maravilhoso. Bebeu, fez
estalar a língua, os olhos brilharam-lhe, o nariz pôs-se vermelho, o espírito
saiu-lhe do crânio, começou a rir de tudo, a bater palmas, a dançar, em suma a
fazer tantos disparates que se enredou nas estrelas e caiu pela escada abaixo. Foi
como um raio no meio da tempestade. E onde foi ele cair? Em cima do ser duplo
que estava a ver nascer a noite na margem de uma torrente de montanha. A pancada
rasgou-o ao meio.
Desde então, o homem e a mulher
unem-se, abraçam-se, afastam-se e continuam a procurar-se infinitamente. Sofrem
de uma ferida, vivem apenas para curá-la. Fazem amor como quem reza. Têm prazer.
Os seus ventres sabem que são apenas um ser em espírito.
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