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Existe uma coisa engraçada quando se caminha sozinho. Para além de todas as coisas que passam por nós, a cada passo que damos é como se nos aproximássemos de mais um pensamento.
Não importa se esse pensamento é definido, ou indefinido, o que interessa é essa aproximação.
É como se as ideias, ou os pensamentos, estivessem à espera, naquele lugar. Parados em frente a uma porta, numa passadeira, por cima de uma tampa de esgoto, num cruzamento, numa esquina.
Quem sabe talvez não seja verdade. Pensamentos parados, à espera de serem intersectados, de se infiltrarem em nós, naquele lugar, naquele buraco por onde podem emergir.
Tu, que caminhas com o mesmo intuito que eu, segue os pensamentos que te levarão a mim. Deixa surgir a ideia que se chama amor.

Paradoxo

o paradoxo embrenha-se
no costume da realidade
e "quem sou eu" deixa de ser

a ser seja "quem sou"

ilude-me o pensamento
cada vez que penso em mim
sinto-me real
mas apenas penso sentir-me assim

pergunta o eu que é o eu
quem sou quem sou
sou a questão sobre a questão
sobre a questão sobre a questão

se assim não fosse
se me conhecesse inteiramente
pararia mumificado no tempo
numa eterna ausência de movimento

o costume
embrenha-se pela realidade
o eu não existe
e existo apenas
neste paradoxo que nasce
A impermanência perpetua a permanência.
A clareza foge-nos.

e se o sol fosse negro e as sombras fossem brancas?
a alegria seria tristeza e não teríamos certeza de nada.
mas que certezas poderemos nós ter?...

A Hora Enxuta














Olhai o campo que a chuva cerca,
Abafa o pranto que se liberta.
O pó do ar na terra cai,
Surge o céu limpo da alvorada,
O sol da tarde as gentes curva,
Chegar vem a hora enxuta.

Gastos, cansados, anoitam rústicos,
Tabernas cheias, bagaços brutos,
Mulheres e homens fazem-se à vida,
Ásperos modos, surge a alegria.
Duro de roer é este mundo,
Coisa pouca dura, pouca coisa fica.

De onde vens tu meu amor!
Mais um dia de labor!

Esta enxada que a terra cava
Há de descansar em fim um dia
E tuas mãos tão calejadas
Hei de curar com beijos todos os dias.
Murmura a ceara a montes fora,
Ilumina de oiro a nossa hora.

De onde vens tu meu amor!
Mais um dia de labor!
Porque que amas tu amor!
Dancemos ao som do tambor!