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Escrita Desconexa (3)

palpita, palpita, palpita, palpita, pita
vamos parar por aqui

Escrita Desconexa (2)

respira fundo faz hum!
onde esta a caneta que escreve arrepia o papel
foge para tras foge para frente
avança turbilhando turvo turduvilho pelo branco em turbulinho.
ah! ah! o quê?
não era o que queria escrever
não era fazer sentido
ups!
fiz mal.
azar o teu carago!
estou farto
atrofiado
parvo
carpo
parco 

Escrita Desconexa (1)

um dois três
vão os três reis magos andando pelo deserto erto ermo segredo
apavoriaadadadaserio iato
peta
meta
teta
seta
olho o comboio a passar lá vai gente a dar a dar
pum catrapum surgem em zum badabum sem sentido
entremim tudo junto está o fundo
poço mundo
palavras desconexas
avança o pensamento para outros planos

As Folhas Secas


conto africano do O LIVRO DOS AMORES, de Henri Gougaud

Deus criou o mundo, árvores, prados e moitas, animais de pelo áspero, pássaros, bichos rastejantes. Depois moldou um homem e uma mulher, construiu para eles uma cabana num campo junto de um bosque, e para ela uma palhota à beira de um rio. Eram ambos cegos. Os olhos deles eram semelhantes aos dos recém-nascidos, a porta das pálpebras estava ainda fechada. Viveram assim durante uns tempos, sem que nada os empurrasse um para o outro, e Deus, durante todo esse tempo pôde dormir descansado.

Mas um dia, ao tirarem água cada um em frente da sua casa, veio-lhes no mesmo instante a mesma sensação irracional e segura: no fim da vereda que atravessava a direito as ervas estava uma presença infinitamente preciosa para a vida deles, para os seus sonhos. Deus ao ver nascer neles o desejo, pensou na sua luz altíssima que um iria em breve ter com o outro. Queria saber quem, o homem ou a mulher, daria o primeiro passo. E fez cair sobre o caminho uma chuva de folhas secas. “Quando eu as ouvir estalar, disse para consigo, hei-de acordar. E hei-de ver quem caminha sobre elas, e portanto qual dos meus filhos é mais vulnerável é febre amorosa.” Tendo assim pensado, foi-se deitar no seu leito de nuvens.

A mulher, naquela noite saiu de casa, e procurando aqui e ali qualquer coisa para comer pôs por acaso a mão em cima de um sapo barrigudo. O animal cuspiu-lhe o veneno à cara e coaxando perdidamente desatou aos saltos pelas ervas da margem. A mulher, despeitada, limpou o rosto. A unha do dedo mindinho arranhou-lhe os olhos. As pálpebras abriram-se. Ela viu, e maravilhou-se. Acima dela estava o céu, à sua volta a terra, um rio cintilante, árvores, silvados, mil cores oscilantes, um velho sol poente no horizonte para oeste, uma casa, acolá, e em frente dos seus pés descalços um atalho que levava aquele lugar apetitoso. Viu também as folhas secas. Farejou a armadilha divina. “Se eu for onde quer o fogo que me espicaça, o Velho Pai sabê-lo-á, disse para consigo a espertalhona. Ora eu prefiro que ele o ignore.” Sentou-se, pensou na maneira de enganar os ouvidos divinos, depois sorriu, maliciosa, correu a encher o balde no ribeiro próximo, regou a folhagem seca e amoleceu-a o suficiente para que não estalasse. Feito isto, prudente e lesta, dirigiu-se em bicos dos pés para a casa daquele que ela tanto queria conhecer. Deus mexeu-se no sonho, resmungou e mergulhou em sonhos.

A mulher achou o homem admiravelmente bem feito. Abriu-lhe os olhos com duas unhadas rápidas. Ela achou a companheira exactamente igual à que povoava os seus sonhos de cego. Comoveram-se, tocaram-se, tremeram tanto que se deitaram, encontraram às apalpadelas os caminhos desejados, gozaram, perguntaram um ao outro como tinham podido sobreviver sem os seus olhares, sem os seus rostos. Abraçaram-se mais uma vez. Por fim, a mulher disse num suspiro encantado:
- Vê, o sol levanta-se. Deus não tarda a cair da cama, e eu não gostaria que ele nos surpreendesse aqui, juntos, um em cima do outro. Homem, tenho de me ir embora. Amanhã à noite irás ter comigo.
O homem viu a manhã pela primeira vez, viu-a diminuir, viu o sol a pique secar as folhas mortas e de novo as sombras alongarem-se até anoitecer. Finalmente, viu a lua a o seu rebanho de estrelas sair dos estábulos celestes. Calçou então as sandálias e cantarolando suavemente foi ter com o seu amor.
Os pés esmagaram pesadamente a folhagem. Esta estalou e estralejou. Ele não se preocupou, o seu novo prazer enchia-lhe totalmente o espírito. Ouviu então um vozeirão por cima da sua cabeça:
- Onde vais, meu filho?
O outro curvou-se, pôs as mãos na cabeça.
- És tu, continuou a voz, quem sucumbe primeiro à febre de amor. Até ao fim dos tempos, pois que assim seja. Irás ter com a mulher e a mulher esperará que tu lhe peças para amar.
- Mas, Senhor, arriscou o homem.

Não disse nem mais uma palavra. Estava apaixonado e temia pela amada o juízo divino. Só ele, desde essa hora em que Deus o interpelou, sabe que é a mulher quem sempre quer primeiro. É o desejo dela que tudo incendeia. “Olha para mim”, diz ela, e o homem vai ter com ela, e o Velho Pai, lá em cima, sorri em sonhos.

O Rasgão


conto africano do O LIVRO DOS AMORES, de Henri Gougaud 

Quem fez o mundo como ele é? Deus Pai, toda a gente sabe isso. Mas como fez ele o homem e a mulher, e por que é que homem e mulher se amam, e se beijam, e se casam? A alma sabe-o no fundo dos seres, mas é tímida, cala-se. Ouçam então a verdade.

O primeiro ser vivo que Deus fez tinha um corpo e duas caras. Era forte, sensato, e sabia com o coração e os sentidos usufruir do céu e da terra, sabia que a verdadeira luz se contempla com os olhos fechados, sabia o que os mortos sabem, e o que sabem também a criança antes do ventre da mãe. Ele sabia tudo do alto, do baixo. E desejava apenas viver a vida que lhe era dada.

Ora Deus gostava das alegrias do mundo. Num dia de verão, descobriu um vinho de palma maravilhoso. Bebeu, fez estalar a língua, os olhos brilharam-lhe, o nariz pôs-se vermelho, o espírito saiu-lhe do crânio, começou a rir de tudo, a bater palmas, a dançar, em suma a fazer tantos disparates que se enredou nas estrelas e caiu pela escada abaixo. Foi como um raio no meio da tempestade. E onde foi ele cair? Em cima do ser duplo que estava a ver nascer a noite na margem de uma torrente de montanha. A pancada rasgou-o ao meio.


Desde então, o homem e a mulher unem-se, abraçam-se, afastam-se e continuam a procurar-se infinitamente. Sofrem de uma ferida, vivem apenas para curá-la. Fazem amor como quem reza. Têm prazer. Os seus ventres sabem que são apenas um ser em espírito.
Dar leis a quem ama? 
O amor não tem outra lei sem ser ele próprio!
                                                                                      -Boécio-
Preciso de um lugar onde ficar.
De um lugar onde a calma e o silêncio me transportem para a abstracção da minha vontade impressa no espaço que me rodeia.

Gosto da sensação do término da tinta da caneta.


Mariposa beija-flor


A luz do sol colide com as ramagens e folhas daquela floresta.
A quem a olha, pelo seu interior, parece que a claridade surge por vitrais verdes de uma catedral. A basílica da natureza glorifica o dia e guarda no seu interior, como num sacrário da virtude, uma amarela casa apalaçada.
A sua arquitetura senhorial e nobre, com as suas paredes amarelas e arcadas redondas, não destoa da natureza vítrea e verde que a cerca. Complementa-a, dando-lhe uma suavidade edílica que nos remete para os sonhos e fantasias principescas.
Neste lugar, o silêncio perpetua-se na brisa lenta e algo se move.
Uma visão, um espectro claro, um ser sem cor, colorido e abstrato. Vagueia vagamente por entre os sombreiros, deslizando pelos troncos, deslizando pelo chão de terra como se voasse.
Pára diante de um dos muros do palacete e escuta, espreita por uma das suas janelas de vidros losangulares. Olha para uma sala ampla, moderna e minimalista. Tons castanhos a preenchem. Parece sossegada; calma; confortável; acolhedora. Deitado no sofá comprido descansa alguém. Um homem dorme profundamente, de dorso para cima.
O ser entra. Imiscuísse por entre a parede, como uma presença incorpórea e imaterial. Paira sobre a sala aproximando-se do sofá e olha para o homem, como se flutuasse sobre ele. Observa-o…
Parece-lhe belo, jovem, robusto, mas sem um aspeto bruto. É loiro, cabelo curto e barba cerrada. A sua respiração é lenta e os seus olhos estão fechados, pálpebras pousadas. A única coisa que o homem tem vestida é uma t-shirt e umas cuecas, repousando com as mãos por cima do tronco.
Pelas divisões o ser pressente outra presença e afasta-se do homem. Ele está a dormir, absorto em sonhos, não é um incómodo.
Paira até à entrada de um corredor e observa, aguarda. Este é todo envolto em madeira, castanho-escuro, envernizada, e o seu fundo abre para uma divisão clara, branca, preenchida de névoa e vapor, orvalho quente e sedutor.
Ele sabe, ele sabe, ali aguarda e espera a sua ansia.
Deixa para trás a floresta, deixa para trás a casa apalaçada, deixa para trás o homem. É como se não existissem mais, não existem mais. E entra para a claridade daquela divisão.
É uma sauna interior. Rodeada de vidros a todo o comprimento e altura, o sol atravessa-os aquecendo o ar. Uma larga piscina azul reflete de celeste as paredes e a água ondula ondulando sombras claras pelas paredes. Ao fundo da piscina há uma divisão oculta por umas portas vítreas baças. O ser ouve um chuveiro a correr. Por detrás das vidraças foscas vê a sombra banhada de um corpo feminino firme e carnudo.
A mulher pára de tomar balho, abre a porta corrediça e sai para a piscina.
Seu corpo é esguio, magro mas roliço, em tons morenos. Seu aspeto egípcio e sua vagina gorda e volumada.
Olha para o ser mas não se surpreende. Talvez um pouco espantada, incrédula, excitada. Sorri.
Age como se ele não estivesse ali, como se não existisse, como se fosse o espectro e fantasma que é. Desce as escadas em direção à piscina e entra nas suas águas. Passeia o seu corpo nu e a sua vulva cheia.
O ser observa-a em expectativa. Ansias de saliva lhe sobem à língua. A excitação toma conta da sua mente e do seu ventre.
Aproxima-se dela e abraça-a. Roça-se nas suas pernas, nas suas ancas. Atrofia-se em respirações descompassadas. E ela gosta, quer, puxa por ele em abafos.
O ser não aguenta mais e abre as pernas, abre a púbis. E o seu pénis, fino e enrolado, como o bico de uma Mariposa beija-flor, desenrola-se em ereção. Entra na vagina carnuda da mulher e incha de sangue, aumentando de volume, preenchendo-a de prazer.
Ah, como ela ama, como ela gosta! Exulta de deleite! Arqueia-se para trás e alça os seus mamilos morenos e duros.
O ser apalpa-lhe as tetas, apalpa-lhe as tetas. Incha, incha o pénis inchado e vem-se num jato roçado…

A mulher repousa, descansa satisfeita. O pénis desincha lentamente e enrola-se para a púbis do ser.
Ele, mais calmo na sua ansia, não tem mais nada a fazer ali. Atravessa as paredes e vagueia, para sonhos e fantasias de outras paragens.

Uma mulher ruiva, de casaco vermelho, a comer morangos, estava hoje à minha frente no metro.

Mas que regalo!

Apanhar merda e políticos


Hoje, o Senhor ao qual alugo um dos quartos da minha casa cagou-se à minha frente.

Não, não estou a falar de peidos. Borrou-se irremediavelmente todo. E eu, que até gosto de fazer piadas fecais, não achei piada nenhuma à situação. Primeiro, porque o homem está de cadeira de rodas, logo, a sua capacidade para chegar ao chão para apanhar a merda é nula. Já se vê que vai sobrar para mim. Segundo, porque aquela merda cheirava MESMO a merda.

Então pronto, depois do Senhor se ter desculpado, ter praguejado contra o leite de cereais com chocolate e ter ido para a casa de banho se lavar, eu respirei fundo (uma quantidade de vezes), cortei cartão e fui recolher a borradela.

Tal como vocês estão a imaginar e a sentir, foi angustiantemente nauseabundo, preenchido de ouras estomacais. Mas, como já passei por situações semelhantes, aguentei os escrúpulos e lá fui expurgando os meus pecados, recolhendo merda com cartão. Deitei tudo para o saco do lixo e passei a esfregona com lixívia no fim.

Hércules teve que fazer as doze tarefas, mas ele era um gajo com uma força bruta, filho de Zeus. Há outros (eu), filhos de homens e sem estômago de Hércules, que têm a tarefa de apanhar merda mal cheirosa.

Hoje fui eu a limpar a merda de um, amanha serão outros a limpar a minha!

Assim que terminei, peguei no meu casaco, na minha mochila, no saco do lixo que continha a merda, e parti para as minhas tarefas menos fecais do dia.

A verdade é que apesar de não gostar da tarefa que me foi incutida pelo oráculo dos intestinos do homem, esta deu-me que pensar. Deu-me para pensar que às vezes é preciso limpar uma boa borradela para acordar momentaneamente para a vida.

Neste dia-a-dia, em que o dia flui insonso, em que as dores que nos assolam são feitas apenas de ilusões, faz-nos bem apanhar um estalo do cheiro palpável da realidade.

(Talvez o que faça falta aos políticos portugueses é ter que apanhar alguma borradela de vez em quando).

Gladiadores do altar

Pessoal! Finalmente a resposta à jihad islâmica está aqui. Renasceram as novas cruzadas para conquistar Jerusalém. Ah, mas antes, e como fica a caminho, há que converter todos aqueles ateus europeus (cortando os péscócinhos a quem não se converter).
Irmãos! Cóméçárémos por Portugau!

Ora, falando de coisas sérias e comentando sobre uma fé que conheço, mas da qual já não partilho! Nos meus tempos de fanático cristão também ouvia coisas do género: 'a palavra de deus é espada', 'que a tua alma seja escudo através de deus', 'vós sois exército de deus'. Sim! Cheguei mesmo a ouvir isto!
Hoje em dia (na mundividência actual), e à luz do cristianismo/novo testamento, a mensagem evangelizadora transmitida é de AMOR. Por isso, qualquer metáfora, comparação e alegoria que misture religião com armas, exércitos e militarismo é completamente descabida.
Eu, que já não possuo fé nenhuma, acredito que é preciso ter-se mesmo muito pouca fé para ter que reforça-la com metáforas deste tipo


Entre estados

e
 n
  t
   r
    o      
     em sonhos                   
                                        vejo rostos
                       gastos
  ortodoxos
Bocas torcidas
                              sorrisos mestres
Onde estou?...                     
                      o        espaço  distorce

                                                  Sinto-me a divagar…
                                     não estou onde devia estar…

Cores abstratas
                             quentes formas
gritos agudos
                                    bOcas redOndas

Sutras antigos
                                       mantras graves
           corpos estendidos
                  Transes!
A tua face…        uma mão onde agarrar…

 Uma dor escondida
                                             olhares fugidos
                     dentro do peito
           lábios lânguidos
Ancora viva
                   na minha saliva       o teu cheiro...        o teu jeito...

Oh, Carne!… Exulta em sangue!…   
                                      A tua face!... A tua face!...
Exulta!....
                      Sangue!.... A tua
Carne!... Sinto-me a 
                                                                      Acordar.
Adormeci com as minhas três melhores amigas,
a bebedeira, a depressão e a solidão.
É tão bom poder contar com a sua companhia,
só tenho pena de não as conseguir foder.

Quando acordei lá estavam elas,
na luz fria e espectral da manhã.
Proporcional ao tamanho da escuridão é a sua fraqueza

e o espaço que cada uma ocupa é nenhum.