Páginas

O Natal é para os adultos.

Quando eu era adulto, nessa altura, o Natal era bom. Lembro-me perfeitamente do espaço quente e relaxante desse dia. Nessas alturas, apreciava com gula o bom bacalhau e bebericava o meu vinhito até à meia-noite. Depois, recebia as prendas com a passividade de quem não espera, ou e quem aguarda, novamente o nada.

Como adulto, a preocupação para com o Pai Natal era nula, congruentemente inexistente com a sua própria inexistência. O Natal era relaxante. Repousante. Momentos repousados nas coloridas achas da lareira, no abraço quente da família.

Mas agora, bem… a partir do momento em que me tornei criança, o Natal transformou-se num dia emocionalmente complexo e stressante.

Os adultos não entendem. Como poderiam entender. Passo meses a pensar nas prendas, a escolhe-las, a assinala-las nas revistas, a deseja-las, a decora-las, a escreve-las nas cartas ao Pai Natal. No fim, no fim nunca me sai nada do que pedi. Ainda por cima a nossa perceção de tempo é completamente diferente da dos adultos. Para eles a noite passa num ápice, mas para nós, num ápice não se passa a noite. Desde o anoitecer até às zero horas, a ânsia eterniza-se, em expectativa. Agora o bacalhau é imprestável, sem sabor, completo com as batatas secas e couves azedas. E, quer queiramos ou não, passamos a acreditar no Pai Natal.

Como é que isso é possível? Não faço a mínima. Por causa deste fenómeno ficamos horas e horas à janela, a ver se o vemos voar pelo céu, no trenó. É uma constante espera para o apanhar, mas é o fracasso a apanhar-nos sempre.

Os adultos ainda gozam connosco devido à nossa crença. À meia-noite à sempre um deles que se disfarça de Pai Natal. Deve-lhes dar um gozo do caraças tentar-nos enganar, a nós, que somos crianças. Como se não percebêssemos que aquele não é o Pai Natal verdadeiro.

Daaah!

Depois vem a distribuição das prendas. Ficamos ali parados, ansiosos por ouvir o nosso nome, a ansiar sempre por mais uma, a ansiar pela desejada. Infelizmente, o Pai natal nunca me dá o que quero, dá-me sempre o que preciso. Não percebo. Nunca hei de perceber. Se o Pai Natal é assim tão inteligente, se consegue saber quem são as crianças que se portam mal e as que se portam bem, como é que não percebe que aquilo que eu quero talvez seja aquilo que eu precise?

Adultos… O Natal é para eles. Fingem que o Pai Natal não existe e passam a vida a divertir-se a comprar prendas. Não entendem, não percebem a nossa ânsia. São demasiado velhos para decrescerem ao nosso pensamento.

Como gostava que não fosse assim, como gostava de um Natal mais relaxante. Como gostava de voltar a ser adulto, nem sei porque dantes desejava ser criança.

Fatura?...

Por vezes é impossível contornar o mal. Evitar o erro dos outros. Que um amigo esmurre a cabeça na parede. Quantas vezes já avisei: Não vás por ai, não adiantando de nada. Quantas vezes já me avisaram: Por ai vais-te enterrar, mesmo assim, lá fui eu para o auto-enterro. Faz parte da vida, do crescimento, ou do que lhe queiram chamar.

No entanto, quando falo desta incapacidade para reverter o mal dos outros, estou a falar do mal por mal, do erro consciente, deliberado e propositado. Não no erro da inocência, como quando uma criança mete a mão no fogo, por não saber que queima. O que pretendo falar é sobre outra coisa e sobre as implicações reais desse comportamento nato. Para isso, dar-vos-ei um exemplo pessoal.

Desde tenra idade fui um aluno medíocre, preguiçoso e pouco maduro para poder atingir certas matérias. Como resultado as negativas sempre se acumularam. Passei sempre de ano com duas ou três negativas. A português, a matemática e a inglês era um “0-“ (zero à esquerda). E isto desde a quarta classe.

Lembro-me perfeitamente das minhas primeiras negas, minha mãe ficou tão desiludida que me deu um enxerto de porrada. Ok, até pode não ter sido um “enxerto”, mas como qualquer criança com 9 anos de idade maximizei o acontecimento. Por isso, o pouco pareceu muito.

A partir dai, sempre que apresentava uma negativa, minha mãe gritava, berrava, ralhava e eu ganhava umas bofetadas. Independentemente disto, continuava a minha má progressão escolar. Apesar da minha mãe, pelo reforço negativo, me tentar fazer bom aluno, não conseguiu. Aliás, a certa altura comecei a mentir sobre os testes e a esconde-los. Ou seja, a situação piorou.

Cá está, o ponto fulcral do que quero transmitir. Eu, mesmo sabendo que fazia mal em mentir, preferia-o em vez das estaladas. E, por mais que alguém me viesse dizer para não mentir, continuaria na mesma. Faz parte da natureza humana, escolher uma desprazer menor para evitar um desprazer maior. Levando o exemplo ao extremo, é matar para não ser morto.

Chegando onde quero, à política. Imaginem o governo como a minha mãe e o povo como eu. O governo bate nos contribuintes, aumenta os impostos, corta suicídios, corta aqui, corta ali. Famílias desempregadas, dividas acumuladas, empresas fecham, ordenado diminui, preços aumentam. Ainda por cima, a maioria dos contribuintes sente que não mereceu por tal estalada. Então, o que é que o povo (como eu quando criança) faz? Exatamente, mentir e esconder.

Por isso, senhores políticos, bem-vindos à corrupção que tentaram diminuir, ao trabalho clandestino, à obscuridade. Se é com fatura ou sem fatura, já não será preciso perguntar, aliás, já não é.

Onde devia estar

Só mais um copo de whisky,
Um último cigarro…
Deixa-me estar…
Divago…

Só mais uma música,
Um último balanço…
Deixa-me estar…
-ar…

Vagueio, deambulo,
No escuro do mofo da noite…
Entrelaça-se a luz em abstrato,
Pixéis de pó pairam em vácuo,
Murmúrios abafados arranham as fachadas...
Latidos humanizados,
Percorrem, prolongam-se, alongam-se…
Recolhem, diminuem, encurtam…
No silêncio do espaço.

Perguntas por mim.
Não estou
Onde devia estar…

Vai ficar tudo bem

Por entre as frinchas de uma selva,
Entrelaça-se um céu fechado,
Para que lado? Para que lado?

Por entre o bafo de uma névoa,
Qual o fim que me espera,
Já não sei onde calco.

Vai ficar tudo bem...

No sol laranja,
Vi a tarde a desaparecer,
Um desejo a desvanecer…

Só mais um pouco,
A olhar o mar,
E o ar, e o ar?...
Onde devia estar?...

Quem deveria ser?...

Vai ficar tudo bem.
Isso eu sei, isso eu sei.
Vai ficar tudo bem.

Vazio

Fumo em cinzentos traços
Sobe, sobe, profundo.
Destaca-se no escuro,
Escoa para o meu mundo.
Espirais nebulosas,
Pelo passo das horas,
De pensamento absurdo.

Mata esta sede

Pára no ar um poema parecido contigo
Cai sobre a terra uma rima encadeada
Leva com ela a tua esperança embrulhada
Nasce um sorriso preso ao ramo de um verso
Cai sobre mim, desperta a força do universo
A gravidade já não me sustenta
Há uma ilusão para além do planeta
Na tua mão, na tua mão…

E eu vou andando por ai
Entre o sonho e a realidade
Misturo todos os meus sentidos
No horizonte talvez te encontre

No fim deste asfalto
Há um buraco que me espera
Se o sol se poe
Cresce um medo que me encerra

Na tua mão a fogueira que ilumina
Nos teus gestos o carinho que me incita

Vem devagar
Faz-me ver e acreditar
Que as tuas chagas são verdadeiras
Estão aqui para me curar

Mata esta sede que sinto no meu eu
Crava um punhal no ego que Deus me deu

Nascer de novo

quero ser como uma criança
correr até adormecer
saltar até me fatigar
rir, rir
sentir, sentir
chorar sem me importar
arrebentar
futuro longo
passado curto
memórias vagas

quero ser ao contrário
brincar de trabalhar
trabalhar de brincar
despojar-me das regras sociais
fazer perguntas despropositadas
inusitadas, inocentes, perdoadas

quero ser, 
pequena, imortal, invencível
e ter vocação de fantasista

deem-me o cálice sagrado
deixem-me beber a água do cordeiro imolado
esqueçam a juventude eterna
só queria, para sempre, viver naquela outra era

vem Nicodemos,
perguntemos, perguntemos…


Brinca com o meu coração

Queres brincar com o meu coração? Tudo bem, não há problema. Faz dele gato-sapato. Chama-me quando quiseres. Rejeita-me quando te apetecer.
Sim! Faz de mim objeto do teu ego! Egotiza-te em mim! Marca-te em brasa na minha carne! Imprime-te em intenso estampado na minha energia, para quando saíres a rasgares violentamente.
Faz de mim um banana. Um mole banana passivo. O teu bébé, o teu menininho, o teu criado, o teu escravo. Enche-me de desejo para te divertires a não o satisfazer. Humilha-me! Humilha-me à frente de todos, à frente de mim mesmo. Espezinha-me. Esmaga o meu coração. Tortura-me emocionalmente.
Faz o que sabes fazer de melhor. Ser bela e endeusada, diabólica e endiabrada. Um desejo impossível de alcançar, um poder utópico de obter. Hum… como eu te quero. Como eu agonizo em lascívia, em gula, em luxuria, em… AAAARRRRRR… Provoca-me…
Quando te cansares… Bem!... Quanto de cansares… não te preocupes, irei brincar para outro sítio. 

Donzela

surge o sol pela neblina cerrada
ouço as ondas
batem os sons
na madrugada
confundo o azul
o céu
misturo-o na areia da praia
e o branco
o mar
conflui-se no ar

olha, a donzela à janela
rosto vidrado
olhar abstrato
no horizonte de si
oh, espera só mais um pouco
inquieta
teu peito
na saudade de mim

um pássaro que voa
uma,
longa,
brisa
do ar…
a espuma que arrefece na areia de uma onda
há mar e mar
há que ir, e voltar…

Colecção Obsessiva de Sentimentos

Para quem ainda não sabe,

É com muito prazer que anuncio o meu primeiro livro “Colecção Obsessiva de Sentimentos”, publicado através da Corpos Editora, ilustração Ana Lógica.
Trata-se de um conjunto de poemas, crónicas e contos existencialistas. O seu lançamento terá lugar na Casa do Alto, dia 19 de Maio, pelas 19 horas.
Terei todo o gosto em vos receber.
Confirmem através do meu email ou do link https://www.facebook.com/events/377235515661201/.

Obrigado,
Mário Viterbo e Silva

Complexo

Escorre a saliva pelo queixo.
Bate-lhe a fome no estômago.
Dentes amarelos, castanhos, verdes, bafo a vermes.
Guincha naquele espaço, naquele cubículo, meio metro quadrado.
Preso, encurralado.

Quer matar, quer comer, quer foder,
Quer, só por querer…
Sentir a vida do outro a escoar, o orgulho a se esvair, o medo, a morte a subir.
Grunhido após grunhido esporra,
Enche de seiva a masmorra.
Bate, cabeceia, esmurra, planeia.
Naquele espaço sonha baixo, o dia da ceifa.

O mundo move-se, gira constantemente, agitadamente, ignorantemente.
Esquece-se, mente-se,
Nada aberra, no oculto da serra”.

Mas os locais sabem, tremem, rezam, esperam, calam, desesperam.
Protegem-se com o sangue do cordeiro.
Mas nada pára os guinchos do bezerro.
Nas árvores se arrastam, nas casas penetram, as almas almejam.
Fujam,
Os muros estão a ficar gastos.
Matem,
Aclamem a cólera tingida.

Seus braços retorcidos esgadelham as costas, com arranhares repetitivos.
Crava as unhas na pele grossa, chagas putrefactas, espasmos estereotipados,
                                                                                                               Olhos revirados.
mais e mais fome

Por isso, matem por ele, dilacerem por ele, cortem por ele.

Alimentem os Eus, o Complexo Monstro premente,
Que geme na serra da nossa mente.

Despertar para dentro de mim

…preto…
…branco…
…preto...
…como será despertar de um sonho? Disso eu lembro-me. Mas…
…branco…
…preto…
…cinzento…
…como será despertar do real?
Talvez… talvez seja como acordar com ressaca.
A típica dor de cabeça, a boca seca a saber a sarro, a aguçada alfinetada da sensibilidade à luz.
Mas isso… Bem, isso é um acordar para a realidade depois de um sonho mal construído.
Agora, um acordar da realidade é algo… Pelo menos o acordar da minha realidade. É assim… como a ressaca, mas a dor… essa não é na cabeça, a secura a saber a sarro não se limita à boca. A luz, não se espeta como agulhas pelos olhos, perfura-me o ser num local fora de mim. E, o som… o som é… É como o chiar de centenas de melros, penetrando lentamente, no nosso torpor sossegado.
E foi assim. Foi assim que me vi. Foi assim que me senti, lentamente, a despertar para dentro de mim.
A primeira coisa foi o piar imperceptível dos melros. O resto, veio por acréscimo.
Senti-me pesado, bêbado, charrado, numa bad trip.
Mas… não era eu.
Aliás, não era só eu. Todo o espaço confluía de mim para mim, num pesado, vertiginoso, sufocante movimento. O frio do chão começou-me a incomodar. O cheiro… Cheiro arranhado de caca de pássaro.
Abri os olhos. Levantei-me tropegamente.
Pensei… Vi… Imaginei…
Cinzento…
Cercava-me um género de pombal. Caca de pássaro estendia-se por todo o lado. Manchava tudo de branco e de preto, resultando numa mescla sépia, peganhenta, fedorenta.
Os vidros erguiam-se, desde a base até ao telhado, manchados num tumulto de cagadelas que me impediam de ver lá para fora.
O tecto, de acrílico, misturava-se na cor suja do céu, aprofundava-o. Um céu preto, branco, cinzento, sulcado e desenhado por centenas de melros, pousados, pendurados nas traves horizontais do pombal. Chiavam ininterruptamente, martelando irritantemente, penetrantemente. Cada vez mais alto num agudo crescente.
Franzi a testa. Levei as mãos às têmporas.
Lentamente percebi a irrealidade estranha que me cercava.
Sustive a respiração.
Olhos, milhares de olhos. Pontos negros, fixos, cegos.
Miravam-me. Escrutinavam-me.
Apesar de todos estes olhos piarem num estrondoso grito, nenhum bico se movia, nenhum pássaro reagia. E eu… Agonia.
Foda-se!...
Pensei...

Meio

ouço, mas não escuto
surdo…
olho, mas não vejo
cego…
farejo, mas não cheiro
anósmico…
como, mas não saboreio
ageusico…
toco, mas não tacteio
somestésico…

surdo
mas não escuto, ouço!
cego
mas não vejo, olho!
anósmico
mas não cheiro, farejo!
ageusico
mas não saboreio, como!
somestésico
mas não tacteio, toco!

faz-se a felicidade
do mais denso para o subtil e do subtil para o mais denso
com uma arrebatada calma de violenta paz
meio

Para ti,

Para ti,
A quem nunca mais disse nada,
Perdoa-me
Ter virado costas,
Seguir centrado um outro trilho.
Sou assim, desculpa…
Parece que não me importo,
Parece que me esqueço.
Garanto-te, só pareço. 

Lembras-te?
Risos e sorrisos.
Abraços fortes e precisos.
Comunicação abstracta, telepática.
E o olhar,
Repouso de desabafos imprecisos. 

Tu,
Como quem diz eu,
Oleador do ego.
Sempre serás mais do que uma emoção. 

Para ti,
Sensibilidade que me inflamas,
A quem nunca mais disse nada.
Quando um dia, por acaso, te vir,
Reconhecer-te-ei,
E um simples olá de direi. 

Até lá, aqui, comigo,
Intimo Amigo.

A Subjectividade do Síndrome de Peter Pan

A criança que existe em mim, quase sempre, domina o adulto que sou.
Manipula-o.
Por causa disso não socializo, não saio, não me divirto.
Quando isso acontece, ela birra e desespera.
E, quando todos os adultos se encontram no formalismo de conversas intelectuais, ausentes de sentido pessoal algum, logo fico com uma incrível pressão cerebral, que me faz peidar verbalmente.
Arroto um vocábulo estranho pela goela.
Ou será pelo rabo?...
Franzem os adultos as orelhas, fazem moucos narizes.
Piadas… Piadas… Estupidas e despropositadas. Gargalham só na minha mente.
Ninguém alcança o adulto subentendido nelas.
Crianças preocupadas de mais com a sua adultez, com a formalidade de comportamento adequado moralmente.
E, isso é a reacção às minhas graças, porque a reacção a comentários sérios é de um nível muito mais evoluído de eloquência. Desde respostas do género “sim porque sim” e “não porque não”, até aos braços de ferro emocionais de melhor argumento.
Fico ainda mais criança, perplexo perante este enredo.
Crianças, a brincar à razão.
O meu adulto finge que não entende…

Ectoparasita hematófago


O medo é uma carraça que se gruda à pele e me chupa.
Infecta-me com ideias
Parasitas. 

Febres, suores frios, fraqueza, delírios.
Arritmias compassadas,
Artrite e dores inchadas.
Absorve o raciocínio,
Descontrola o instinto. 

Incha guloso e ávido, o carrapato.
Caio árido, por terra fatigado.
Como é que uma coisa tão pequena,
Se apodera assim do sistema.
O espirito lato, crente,
Desilude-se por ver a carne em rente. 

Carraça maldita, feia, troglodita!
Absorves a ilusória arrogância com que vivo,
E mirro. 

Esperança! Esperança!
AHAHAHAHAH!
Um resto de loucura alcançada. 

Procurar, procurar, sobreviver, encontrar-te,
Naquela fissura escura da minha pele,
Pegar numa pinça,
Bicha esquisita, verto-te agora álcool em cima,
Arranco-te, corto-te,
Queimo-te a cabeça,
Agarrada à zona endémica. 

Depois…
Uns paracetamóis, antibióticos e mais uns sais.
Para não pensar, em paraideias. 

Da próxima vez que me saltares em cima, bicho,
O sistema imunológico vai-te reconhecer,
E eu não sofrerei mais, desses teus beijos mortais.
Estarei protegido dessa tua doença vampiresca,
Pelos glóbulos loucos de nascença.

Catarse da morte

Antes que eu morra,
Põe-me um cigarro na boca. 

Não adianta, não vale a pena,
Não chores a me confortar. 

No meu corpo, não me consigo mover,
Vegetativo, trôpego.
Por isso, tens de ser tu a tirar o maço,
A pousar-me o “very-light”, aqui, no lábio.
Acende o isqueiro. 

Mas primeiro tens que o montar.
No bolso esquerdo está o  “euta-” ,
No direito o “-nasia”,
Junta os dois que eu inalo… 

Relaaaaaaaaxo 

Tu sabes, tal como eu sei,
Tanatos, ai vem… 

Acompanha-me…. Fica…
Neste fumo que nos amortalha. 

Sente-o
Pela garganta
Escorregando
                        Em
                        Doce
                        Mel
Sua voz bafienta. 

É assim!
É assim que se o enfrenta.
Com uma passa de coragem laça, com um último prazer,
A catarse de morrer!


Sobre mim

Sobre mim: cai o peso de toda uma conotação. Um estereótipo que imagino quando olho para os olhos que me fixam, que me obrigam a me fixar.
Por isso, jamais serei e saberei o Real de Mim mesmo, porque sou o que os outros pensam, confundido pelo que me levam a indagar.
E porque a Realidade se ofusca quanto mais afastadas forem as perspectivas, busco-me por detrás do olhar dos outros, nunca perdendo nunca as minhas.
Mesmo assim, tudo não passa e sempre será, uma mer(d)a estereotipia.

Insónia



Sete e meia da manhã.
Porra porra porra porra! Vá lá por favor vá lá por favor!
Novamente durmo mal outra vez novamente.
Doí-me o lóbulo frontal corrói-se-me o estomacal ventre.
Não estou descansado e nada me deixa descansar.
Alguém, algo, alguma coisa, faça-me parar.
Mas porque porra quando durmo, me vem sempre à cabeça, não a Vida mas o dia-a-dia?
Porque a Vida é algo muito mais lato, metafisico, abstracto.
O outro é porqu’é simples, e baseia-se no prático.
No entanto, já não sei o que penso, ou o que devia pensar, e confundo-me em sentimentos sobre o que devia raciocinar.
Revoluteio-me, na cama, constantemente me maço, com a almofada. 


Entra o sol no meu quarto, destapando as cores que se escondem, e olho para o meu pálido lençol, atentamente, divagando em nada.
Na sua brancura observo um ponto, um ponto que aos poucos se insinua.
Parece-me mexer-se…
Foco-me, nele, e tento entender o que é. O que era suposto não estar cá lá, mas está…
Exalto-me de nojenta repulsa. Uma larva de mosca, gorda, castanha, asquerosa, arrasta-se como uma víscera atrofiada, enroscando-se nas suas espirais.
Meu sistema digestivo contrai-se numa dor enjoativa.
Percepciono um ligeiro formigueiro nas pernas.
Entro em pânico por imaginar o que significará e descubro-mo instantaneamente.
Confusão!, medo!, sufoco!
Compelem-se larvas pela minha pele, mexem-se em buracos na carne dos meus pés, nas minhas coxas, no abdómen, no peito.
Comem-me...
Aceleram, lentamente, a minha putrefacção. 


Acordo com um espasmo.
Doí-me o estômago…
Doí-me a cabeça….
Em manhã cedo,
Ainda cansado…

Eu, onde estás ?...

Eu gostava…
Que a chuva sempre caísse assim…
Morna dentro de mim…
E afastasse esta…
Melancolia repetitiva. 

Eu gostava…
De não voltar atrás…
E caminhar para onde tu estás… 

Meu Eu fora de Mim…

Por ti

Espero por ti,
Não te preocupes.
Estarei lá, naquele lugar
Onde o Sol raia e aquece
E a Esperança sempre se reflecte. 

Lá, ali, aqui
Neste dourado espaço,
Espero sem pressas,
Com um sorriso,
Com um abraço,
Com um riso de regozijo,
Por saber que esperas também
Este destino. 

Tu, que caminhas pela sombra,
Que por razões só tuas escolhes o vento frio da solidão.
Sabe,
Que eu nasço sempre com o Sol,
Quente, para repousares,
Para te amar sem me amares.

Faça-se chuva!

O meu humor flutua ao sabor do tempo.
Não percebo. Não sou eu que o domino. Não. Sou apenas um mero espectador sem forças para me impor.
Se o sol aparece sou pateticamente feliz. Se as nuvens se insinuam sou estupidamente triste.
Nem adianta lutar. Tentar impingir-me a mim mesmo alegria em céu negro e escuridão em céu aberto.
Não me governam os Deuses, ou o tolo do destino (porque não acredito em nenhum deles). Mas a madrasta da natureza domina-me. E hoje, passou o dia todo a ameaçar-me. A prometer que me daria uma porrada de chuva.
Podia cair o Carmo e a Trindade, chover sapos, bolas de gelo, meteoros, podia chover a cântaros, grossas gotas, encher tudo, molhar tuto, arrastar toda a depressão pelo esgoto abaixo.
Mas não. Nem chove nem deixa chover.
E eu aqui, com vontade da molha, da água a escorrer-me pelos cabelos, da nostalgia, do enredo, do som, do movimento, da frescura da sua cura, de ir lá fora ser lavado por dentro.
Mas hoje, o dia não esteve para ai virado. E tem andado a enconar durante meses.
Quando fica assim, eu fico como ele, sou como ele, o limiar entre o ser e o não-ser, a margem de mim, a seca.
Ele brinca com os meus sentimentos, enubla o meu pensamento, frusta todas as minhas tentativas de ser bem, alegre, solarengo, calorento, radiante, esperançoso, confiante.
E fico assim, parado, cinzento… Uma puta de merda de tempo…

Credo do Ego

Creio no Ego,
Eu Todo-Poderoso, Criador da Vontade,
De todos os Comportamentos.
Creio em uma só Motivação, Egoísmo,
Filho Uno do Ego, nascido do Self antes de tudo o resto;
Eu do Eu, Altruísmo do Altruísmo,
Eu verdadeiro do Eu verdadeiro;
Não gerado, não criado, inerente ao Self.
Para Ele todas as coisas foram feitas.
E por nós, Seres, e para nossa sobrevivência surgiu,
E encarnou pelo poder da evolução
No seio da Mente, e Se fez Vontade.
Também por nós foi mascarado sob a Negação,
Padeceu e foi recalcado.
Ressuscita sempre, conforme escrito no ADN;
E sobe à Psique,
Onde se senta ao lado do Ego;
De novo há-de vir em Sua defesa, para buscar o Bem e o Mal;
Pois Seu caminho não tem fim.
Creio na Vontade Primordial,
Centelha que dá a vida, que procede do Eu e do Egoísmo;
E com o Eu e o Egoísmo é adorado e glorificado;
Ele que fala pelos Condicionalismos.
Creio nesta Vontade una, pura, universal e hereditária.
Professo um só início, para a admitir que Altruísmo é só um aspecto do Egoísmo.
E espero a ressurreição da verdade
E a compaixão que há-de vir.
Ámen.