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Às vezes experimento ser adulto.
Arrependo-me sempre!
De todas as falhas, as que mais me angustiam são as que cometerei.

Transe


como um transe inesperado pontos e virgulas traços quebras elaboradas rodam palavras falsas caem por de entre espaços interiores a pressa insurge-se nos objectos visão dupla fora dentro amém repete a assembleia mulheres virgens homens de pénis em sangue de olhos arregalados brancos revirados unem todas as cores em negros substratos nada se entende tudo é vago artomorfofacto arde-se de desprazer flácido querer em linha continua do nada para o nada de errado a morte é um bom presságio

Profundo


É tão subjectivo como o Ser ser-se.
Porque aquilo que se é
Apenas ao que se é diz respeito.
A profundidade é fútil
Perante a efemeridade da vida
A superficialidade é alavanca.
Tudo o que digo é tão básico que nem vale a pena ser lido.
São apenas pensamentos regurgitados a tentar ser algo.
Tento chegar a uma meta, fica tudo por metade incompleto.
O que eu quero dizer é que a superficialidade de ideias, sentimentos e razões não existe. Apenas existe nas coisas materiais para distinção de espaços, não nas coisas imateriais. Essas serão sempre profundas, porque fazem parte do Ser.
Não porque o Ser seja sempre insondável, mas porque o Ser deverá ser sempre inestimável.
Por isso, a maior das superficialidades terá em si a mais insondável das profundidades, cheia de signos polissémicos.
Tudo depende dos olhos de quem nos lê.

Rascunhos


leva-me contigo
para lá deste muro e
enche-me de palavras ocas
para eu preenchê-las de amor

onde moras?
onde é a tua morada?
faz de mim a tua casa

deus não existe
o amor não é eterno
por isso amemo-nos enquanto ainda é tempo

que sejas a palavra certa
no meu mundo de rascunhos
Rústicas melancolias de influências citadinas.

Toda a vida fui pastor














Toda a vida fui pastor
Toda a vida guardei gado.
Tenho uma nódoa no peito
De me encostar ao cajado.

De me encostar ao cajado
De me encostar ao bordão.
Tenho uma nódoa no peito
Ao lado do coração.

Na serra o que mais se sente
São saudades do amor.
E o leite é branco para a gente
Só é negro para o pastor.

O meu amor é pastor
É pastor e guarda ovelhas.
Tem uma casa na serra
Coberta com poucas telhas.

         (Cantar da Beira Interior)
         Cedido pelas senhoras simpáticas do rancho de Videmonte.
          Bem haja a elas.

         Bem ditas as senhoras por esta canção,
          Bem dito seja o tempo,
          Bem dito o sufoco de outros,
          Que nos preenche o momento.

Pacto

Quedou-se ao fim da estrada
Num cruzamento fora do tempo,
Fez uma reza apressada
Com ela foi ter o vento.

Por uma bruma escura
Surge um ser vermelho,
Seu corpo nu se insinua
Perguntou-lhe qual o desejo.

      Há em mim uma gula
      Por um prazer eterno,
      Afasta de mim a chuva,
      Leva-me para o teu templo.

      Há em mim uma pressa
      Por um prazer efémero.
Aproxima-se dela a Besta,
Sussurra-lhe em silêncio.

      Pega nessa faca, grava o teu nome em sangue,
      Deus esta distante, para te poder julgar.
      No meu corpo quente se prende a liberdade,
      Agarra-me no falo hei de te ensinar a amar.
      Do paraíso caído surge o milagre
      Que só nas chamas do inferno hás de encontrar.

Ideias








a morte é um orgasmo que faz esquecer tudo o resto... 

David Soares em "A Conspiração dos Antepassados".

Deuses







sinto os Deuses bem perto,
procuram sangue,
sinto o seu cheiro,
buscam morte,
para em si voltar poderem-me.














Existe uma coisa engraçada quando se caminha sozinho. Para além de todas as coisas que passam por nós, a cada passo que damos é como se nos aproximássemos de mais um pensamento.
Não importa se esse pensamento é definido, ou indefinido, o que interessa é essa aproximação.
É como se as ideias, ou os pensamentos, estivessem à espera, naquele lugar. Parados em frente a uma porta, numa passadeira, por cima de uma tampa de esgoto, num cruzamento, numa esquina.
Quem sabe talvez não seja verdade. Pensamentos parados, à espera de serem intersectados, de se infiltrarem em nós, naquele lugar, naquele buraco por onde podem emergir.
Tu, que caminhas com o mesmo intuito que eu, segue os pensamentos que te levarão a mim. Deixa surgir a ideia que se chama amor.

Paradoxo

o paradoxo embrenha-se
no costume da realidade
e "quem sou eu" deixa de ser

a ser seja "quem sou"

ilude-me o pensamento
cada vez que penso em mim
sinto-me real
mas apenas penso sentir-me assim

pergunta o eu que é o eu
quem sou quem sou
sou a questão sobre a questão
sobre a questão sobre a questão

se assim não fosse
se me conhecesse inteiramente
pararia mumificado no tempo
numa eterna ausência de movimento

o costume
embrenha-se pela realidade
o eu não existe
e existo apenas
neste paradoxo que nasce
A impermanência perpetua a permanência.
A clareza foge-nos.

e se o sol fosse negro e as sombras fossem brancas?
a alegria seria tristeza e não teríamos certeza de nada.
mas que certezas poderemos nós ter?...

A Hora Enxuta














Olhai o campo que a chuva cerca,
Abafa o pranto que se liberta.
O pó do ar na terra cai,
Surge o céu limpo da alvorada,
O sol da tarde as gentes curva,
Chegar vem a hora enxuta.

Gastos, cansados, anoitam rústicos,
Tabernas cheias, bagaços brutos,
Mulheres e homens fazem-se à vida,
Ásperos modos, surge a alegria.
Duro de roer é este mundo,
Coisa pouca dura, pouca coisa fica.

De onde vens tu meu amor!
Mais um dia de labor!

Esta enxada que a terra cava
Há de descansar em fim um dia
E tuas mãos tão calejadas
Hei de curar com beijos todos os dias.
Murmura a ceara a montes fora,
Ilumina de oiro a nossa hora.

De onde vens tu meu amor!
Mais um dia de labor!
Porque que amas tu amor!
Dancemos ao som do tambor!

Entranhas


Ó Emoção, querer que me faz querer!
Te invoco, do fundo do meu âmago,
Por de entre o estômago e o peito,
Por de entre o umbigo,
As entranhas fervendo,
Exalam um vapor aguacento…
Sobe ao chão! Desce à merda! Cai no céu! Ergue a ideia!
És mais do que eu possa querer!
Em exacta medida do meu suportar.
Hei de te arrancar!

Homem-árvore



Lá fora o sol brilha, cai a chuva, diminuta, como se flutuasse pelo ar.
O arco-íris desponta por entre o castanho-verde.
Sinuosamente avança, a estrada cimentada, longamente deitada.
Cerca-a a floresta, sussurrante, densa.
Tão denso é o seu verde, tão condensado o seu ar,
difícil será, dez metros espreitar.
Quem lograr deter-se pela berma,
cuidado ao espreitar pelas sombras da cerca.
Há primeira vista nada poderá ver, 
a não ser uma figura indistinta, um sentimento a aparecer.
Algo que lá não estava
ergue-se do seu peito
do muro das árvores distingue-se um corpo desfeito.
Rugoso e castanho como o tronco que o encerra
seus olhos vítreos se fixam em quem espera.

Há muito tempo atrás,
num tempo sem exactidão,
sem espaço ou lugar,
sem muita precisão.
Longe de quem queria, 
um homem gemia, gemia.
A morte, a solidão, o abandono,o desconforto.
Sua mente desvanecia, sua carne definhava,
perdera-se o amor de quem ele amara.
Ferros em brasa, agulhas finas, um punhal estreito,
pela carne, pelas veias, pelo peito.
A paixão, a chaga que da ausência ardia.
Quem?... Quem?... Já não se conhecia.
Uma folha de papel amarfanhada,
seguiu, só, pela estrada.

Dias e dias caminhou à chuva,
dias e dias caminhou ao sol,
dia-a-dia, 
          quem disse que o tempo cura,
dia-a-dia, 
          perdido em dó.
Doíam-lhe as pernas, os braços,
os músculos retesos e amassados,
o peito tísico, as costas marrecas, o cansaço…

Decidiu repousar no frio de uma árvore e adormecer nos meandros do desconhecido.

As estações foram-se, as luas passaram,
uma silhueta perdida,
um símbolo dos que amaram.

Quem parar naquele lugar
talvez não se abstraia de sentir o estranho.
Uma sensação a surgir de um carvalho,
um vislumbre morto, vago,
inerte, apático,
apenas sofrimento estático.
Dele se exala a podridão,
no entanto, ainda bate lá um coração.
O mundo, o universo, as coisas, eu, tu, o meu sentido de mim. Tudo pode ser um mero sonho, mas não é por isso que deixa de ser menos real.
Apenas é outra realidade.
Intuo que o tempo se mova muito mais lentamente do que aquilo que percepcionámos.
Aliás, o tempo não se move. O que se move são as coisas. O tempo será apenas a variação espacial destas.
Sendo assim, intuo que as coisas se movam muito mais lentamente do que aquilo que percepcionámos.
Porquê? Não sei. Apenas intuo, e por isso, iludo-me. O movimento é real, é físico, é perceptível aqui e agora. Mas a velocidade…hum…se for apenas uma mera percepção será apenas um a ilusão?
Podem as coisas existir estáticas?

Desisti

Um homem não está acabado quando enfrenta a derrota. Ele está acabado quando desiste.”
Richard Nixon

Muitas das falhas da vida acontecem quando as pessoas não percebem o quão perto estão quando desistem.”
Thomas Edison

Conserve os olhos fixos num ideal sublime, e lute sempre pelo que deseja, pois só os fracos desistem e só quem luta é digno de vida.”
Desconhecido

Mesmo desacreditado e ignorado por todos, não posso desistir, pois para mim, vencer é nunca desistir.”
Albert Einstein

"A desistência é uma revelação."
Lispector , Clarice


Quem é o dono da razão?
Ousarás me julgar
Só por parecer que fiquei em vão?

Agarrar esta coragem,
De não ser quem quero ser,
Adiantará seguir viagem,
Se no inicio enlouquecer?

Um passo atrás,
E estou mais perto de mim.
Só por desistir,
Não quer dizer que seja o fim.


Dificil não é lutar por aquilo que se quer, e sim desistir daquilo que se mais ama.
Eu desisti. Mas não pense que foi por não ter coragem de lutar, e sim por não ter mais condições de sofrer.”
Bob Marley

Desisti de ser feliz. Agora me sinto muito menos infeliz.”
Micítaus do ISSÁS

Melancolia positiva

Tudo para uma perfeita manhã de melancolia positiva. A chuva desce pelas paredes da avenida e tudo se torna cinza. Os vapores condensam-se, no ar, nas superfícies, nos cheiros. Deve existir um blue qualquer que descreva esta sensação, maravilhosa.
- CHUVA! CHUVA! O BARULHO AGUADO DO MOVIMENTO DOS CARROS! - penso eu…

Há um ritmo de cowboy em tudo isto!

Tanta gente a passar. Têm cara de quem não pensa em nada. Isso significa que pensarão certamente - que se fodam os outros - seguem caminho… sempre seguindo caminho... sem nada na mente.
Fumo um cigarro. Alguém chora atrás de mim. E eu penso numa rima.

Faz frio. O mundo é duro.

Abraça-me neste calor seguro.